Pensamento

Questões de gênero 

Ser mulher ou homem não nos faz desiguais e sim diferentes. Os poderes masculinos e femininos não são desiguais, são sim diferentes.
O poder feminino tem força de liderança com soluções charmosas, jeito suave, persuasão tranquila e eficaz , sensibilidade aliada à racionalidade para machucar e para acolher.
O poder masculino tem outras forças. Não são melhores ou piores, são diferentes. O movimento feminista parece enaltecer as qualidades da força masculina e lutar pelo direito de mulheres serem fortes como o estereótipo de força diz que tem de ser . Essa atitude reforça a ideia de que o poder masculino é melhor, mais eficaz, mais forte. Esquece que a eficácia está em aplicar a força certa a cada momento: Cada pessoa tem seu poder, cada momento merece um poder diferente.
Elevamos o debate ao defender o desenvolvimento e aplicação do poder de cada um de nós. Já permanecer dividindo as pessoas entre machistas e feministas reforça a desigualdade e é displicente com as diferenças que faz de nós tão únicos.
A presença e os atributos femininos não são exclusivos às mulheres, assim como a presença e atributos masculinos não são exclusivos aos homens. O que desejo é que possamos “dançar” na vida entre os poderes escolhidos para cada momento independente de gênero.

Temos muitas formas de explicar o “eu”, mesmo sabendo que o “eu” é indizível e reconhecer que  temos uma presença mais feminina ou mais masculina é excelente para o autoconhecimento, saber da minha feminilidade me ajuda a me entender até nos momentos em que escolho exercer minha presença masculina. Ao invés de tentar ensinar as meninas a serem “fortes como um homem”, prefiro que os meninos e as meninas entendam as belezas e agruras de cada um com suas masculinidades e feminilidades
.Feminilidade é biológica, feminismo é construção social.

Masculinidade é biológica, machismo é construção social.

Aprendizado e descoberta do corpo

 

 Aprendizado

 Se esse livro que você leu te dá infinitos conteúdos: jogue-o fora.

 Ninguém precisa de conteúdo, conteúdo a gente inventa , descobre, aprende. Especialmente na época de internet em que vivemos onde acessamos os conteúdos.  O que o livro tem de te dar não é conteúdo, o livro tem de te criar internamente um pássaro batendo asas, ele tem de te criar um incômodo físico, um movimento. Isso seria um livro que ensina a dançar, ou um livro que provoca a dança. Isso é condição da transvaloração dos valores.

O nosso erudito antigo foi substituído por um pen drive, num pen drive cabem bibliotecas inteiras, por que eu tenho de saber de cor nomes, quando nasceu, o que ele fez? Não me interessa, me interessa sim provocar a dança quando eu falo, e me interessa ler livros que me provoquem essa dança. Isso é vida e essa vida que precisa se mover pra fazer política, porque ai ganhamos ação.

 Vida é sinônimo de tempo que é sinônimo de ação. E a ação é que produz o mundo. O mundo que nós vivemos é consequência do nosso pensamento, ninguém criou os problemas que temos hoje, não tem um autor , uma só pessoa, não foi um presidente tal ,  um político tal , um filósofo tal, nós vivemos a consequência da somatória de todos os nossos pensamentos e ações, esse mundo que nós vivemos é consequência do nosso gesto. O que tem de mudar para que vivamos num mundo novo é a nossa apropriação cotidiana. E essa ação envolve a recuperação do gesto.

 Descoberta

 Descobrir como ajo, que saberes articulo, como reajo a determinados estímulos e ações, como improviso.
Aprender a criar, exercer o instinto de recriar expandindo a memória a muito mais do que um banco de dados. 

Usar e cuidar desse veículo que é tão eu quanto o demais de mim.
Atitude frente a vida. Internalizar o que recebi, articular a meu modo e dar a minha resposta.

 

Rústica

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Ser a moça mais linda do povoado.

Pisar, sempre contente, o mesmo trilho,

Ver descer sobre o ninho aconchegado
A bênção do Senhor em cada filho.

Um vestido de chita bem lavado,
Cheirando a alfazema e a tomilho…
– Com o luar matar a sede ao gado,
Dar às pombas o sol num grão de milho…

Ser pura como a água da cisterna,
Ter confiança numa vida eterna
Quando descer à “terra da verdade”…

Deus, dai-me esta calma, esta pobreza!
Dou por elas meu trono de Princesa,
E todos os meus Reinos de Ansiedade.

Florbela Espanca, in “Charneca em Flor”

Meu resumo de “Obras Filosóficas” “Great Men of Literature – Adventures in Genius”. Will Durant – 1930

Que é pensamento? Não há definição possível, porque a palavra inclui tudo através do que pode ser definida. É o fato mais imediato que conhecemos e o último mistério do nosso ser. Todas as realidades humanas nele encontram sua fonte e sua meta. O surto do pensamento constitui a grande virada do drama da evolução.

Aventuras em sugestão

Pensadores

CONFÚCIO

“Os grandes antigos, quando queriam propagar altas virtudes, punham seus Estados em ordem.

Antes de porem seus Estados em ordem, punham em ordem suas famílias.

Antes de porem em ordem suas famílias, punham em ordem a si próprios.

E antes de porem em ordem a si próprios, aperfeiçoavam suas almas, procurando ser sinceros consigo mesmos
e ampliavam ao máximo seus conhecimentos.

A ampliação dos conhecimentos decorre do conhecimento das coisas como elas são
(e não como queremos que elas sejam).

Com o aperfeiçoamento da alma e o conhecimento das coisas, o homem se torna completo.

E quando o homem se torna completo, ele fica em ordem.

E quando o homem está em ordem, sua família também está em ordem.

E quando todos os Estados ficam em ordem, o mundo inteiro goza de paz e prosperidade.”

“O que diferencia os homens de outros animais é muito pouco, – e a maior parte dos homens deita fora esse pouco”. O maior bem para um povo será afastar dos cargos públicos os ignorantes e escolher para governa-los  os homens de maior sabedoria.

PLATÃO

Quereis ouvir um nobre discurso sobre amor e amizade? Lede o Lysis, o Chamides e o Fhedon, cujas derradeiras páginas são são picos culminantes da história da prosa. Estais interessado nos mistérios da mente e do conhecimento? Lede o Parmenides e o Theoetetus. Tendes interesse em tudo? Lede a Republica, onde encontrareis metafísica, teologia, ética, psicologia, educação, estatismo, arte; e também feminismo, controle de natalidade, comunismo  e socialismo com todas suas virtudes e dificuldades, eugenia e educação libertária, aristocracia e democracia, vitalismo e psicanálise – que é que não encontrareis lá? “Queimem-se as bibliotecas, porque neste livro está tudo” – Emerson sobre A República parafraseando Omar para Corão.

Considere-se que nesse momento, em cem países e em cem cidades, milhares de estudantes, moços e velhos, absorvidos na leitura da República e dos Diálogos, sentem-se lentamente moldados em sabedoria pelo ardor e sutileza do mestre. Temos aqui uma imortalidade de alma que torna quase insignificante o desaparecimento do corpo.

COPÉRNICO

“Revoluções dos Corpos Celestes” foi feliz em seu título, o pio monge que pacientemente conteplava as estrelas, não teve intenção de o produzir, não suspeitou o alcance de sua afirmação sobre futuro e fé; havia afundado no estudo e estava certo de que a verdade é sempre boa e  bela e libertadora dos homens.  E, assim, pela magia da sua matemática, transformou um universo cujo centro era a Terra e o homem, num caleidoscópio de estrelas no qual o nosso planeta não passa da momentânea precipitação numa nébula. Tudo mudou a partir desse instante- em distâncias, significações, destinos. E Deus, que estava tão perto de nós, morando no seu sólio das nuvens, afastou-se para o fundo do espaço sem limites. Foi como se as paredes de uma casa caíssem durante um vendaval, deixando seus moradores desabrigados dentro de uma treva imensa.

DARWIN

Se estiver certo datarão 1859 o começo do pensamento moderno.

Porque, calmamente e com a maior humildade, ofereceu uma pintura do mundo totalmente diversa das que desde o começo vinham entretendo os olhos dos homens. Havíamos admitido que o mundo era uma ordenação a mover-se sob o governo duma inteligência toda-poderosa, para um objetivo de perfeição, em que cada virtude encontraria afinal sua recompensa. Mas, sem atacar nenhum credo, Darwin descreveu o que seus olhos viram. O subtamnte o mundo se tornou rubro, e a natureza, que parece tão bela sob as cores do outono, passou a mostrar-se feroz arena de luta, na qual o nascimento era um acidente e a morte a única certeza. Natureza era Seleção Natural, isto é, luta pela vida; e não só pela vida como pelo poder – uma impiedosa eliminação dos inaptos-, das flores mais tenras, dos animais de maior delicadeza, dos homens de maior bondade. A superfície da terá enxameia de espécies e indivíduos belicosos, e cada organismo se torna  a presa natural de algum mais forte; cada vida é vivida à custa de outra; grandes catástrofes naturais sobrevêm, eras de gelo, terremotos, secas, tufões, pestes, fomes, guerras: milhões e milhões  de vidas são violenta ou lentamente eliminadas. Algumas espécies sobrevivem por algum tempo. Isto é a natureza. Isto é a realidade.

Confúcio, Platão, Aristóteles, Aquino, Copérnico, Bacon, Newton, Voltaire, Kant, Darwin, Demócrito, Epicuro, Marco Aurélio, Abelardo, Galileu, Spinoza, Leibniz, Shopenhawer, Spencer, Nietzsche, Mary Wollstonecraft, Susan Anthony, Diógenes, Zeno, Lassale, Marx: tenhamos muitas lista e muitos herói, nunca os honraremos em demasia. Aqui está a verdadeira litania dos santos – nomes que devem aparecer em nossos calendários como os que deram uma nova beleza ao mundo., ou o impeliram para humanização.

 

Poetas

HOMERO

Admitamos que não passe Helena de um nome, ou de uma inspiração diplomática, e que o objetivo real da guerra foi por parte dos gregos a conquista de um porto estratégico; não obstante, sete Tróias jazem soterradas enquanto Helena é um imoral sinônimo de beleza, poderoso bastante para lançar cem mil livros sobre o maior dos oceanos: a Tinta.

DANTE

Resolveu escrever , contou em magoada alegria como tinha vivido no inferno, como se purificara no purgatório do sofrimento e como afinal se alçara a um céu de felicidade conduzido pelas mãos da sabedoria e do amor. Não seria coisa medieval se não fosse alegórica: nossa vida na terra é sempre um inferno até que a sabedoria (Virgílio) nos purgue dos maus desejos e amor ( Beatriz nos erga) à felicidade e à paz.

Um homem nunca deve ler seus críticos – nem ser curioso a respeito do veredicto da posteridade. Sobre Shakespeare.

Livros para Educação

Temos preliminarmente que nos entender,: não podeis esperar nenhum lucro monetário desta intimidade com os grandes homens. O lucro poderá vir mais tarde, acidentalmente, em consequência da maturidade e fundo que alcançareis, mas esses dividendos, como os das companhias de seguros, são garantidos. Na realidade estareis perdendo o tempo da vossa profissão ou negócio se se sonhais com milhões, afastai-vos deste mapa da Cidade de Deus e fincai o vosso nariz na terra. E encontrareis embaraços pelo caminho: um libro obscuro ou com excesso de páginas, e todas vossas forças terão de ser mobilizadas para vencer a tarefa.  Apertemos o nosso cinto e apuremos  a nossa coragem para a subida desses  morros do começo. Percorramos sem pressa esse desfile de páginas majestosas; a vida não é coisa tão importante que não possamos consagrar um pedaço da nossa à leitura do homem que soube conciliar a sabedoria dos comentários com a musicalidade da forma.

Assim como o século XVIII foi a idade da mecânica e das fica teóricas dando origem ao triunfo da ação, assim o século XIX foi a idade da biologia teórica, dando origem ao triunfo ativo das ciências biológicas. Novos conceitos da natureza e do desenvolvimento  do homem dominam o palco científico e precipitam a guerra entre as crenças que sombreou o espirito ocidental.

Lede a primeira parte de Fausto, mas não permiti que nenhum crítico de nome – nem mesmo o grande Brandes – vos induza a ler o resto.

Aventuras na Filosofia

As palavras “ antigo”, “medieval” e “moderno” estão mal colocadas para o historiador-filósofo – isto é, para quem deseja ver e compreender a humanidade como um todo no tempo;  isto também é filosofia, tanto quanto a metafísica tradicional que procura compreender a realidade como um todo no espaço. Os gregos eram “modernos” em relação a Tutmose e Icnaton, e estes eram “modernos” em relação Queops e Quéfren, ou Sargão I; os faraós das primitivas dinastias considerar-se-iam em país estrangeiro, falando língua estranha aum povo estranho, e pudessem transportar-se dos templos de Osíris à ruas de Tebas Imperial.

Verão

O Renascimento não é um rebroto, e sim a maturação da Idade Média. Todas as raízes da incubação e desenvolvimento medieval abrem-se em florescência; a jovem Europa exulta à consciência de que a juventude chegou a termo e a maturidade começou. Os séculos  XVI e XVII, e não a Era da Luz, do século XVIII representam o zênite da alma ocidental.

Quando uma sequencia aristocrática ou uma tradição morre, segue-se o caos, em vez de liberdade sobrevém a ditadura.

Outono

As cidades sobrepujam o campo em riqueza e poder econômico, a aristocracia rural está perdendo a hegemonia na vida nacional. Surge a burguesia, a qual, vendo-se em todos setores bloqueada pelos privilégios aristocráticos, pelas exclusividades, pelas tradições e peagens, dá surto à deixas de liberdade, igualdade e fraternidade e apoia os grandes escritores que consciente ou inconscientemente lhes servem de propósitos. Graças á esta situação é que o filósofo chega ao poder – o intelectual da Era da luz – a força mais destruidora da história.

Dos últimos dias do Renascimento a diante a noção de Deus começa a confundir-se, no espírito de cada homem de alta significação, com a ideia do espaço infinito.

Repentinamente toda a macia beleza da idade morimbunda cai ao golpe de monstruosa faca; toda a velha estrutura social, a moralidade e o Estado, foram engolidos pela onda de raiva represada. Exploração, militarismo e incompetência foram substituídos por incompetência, militarismo e exploração. O barão cedeu lugar ao banqueiro; o rei ao orador; o padre à imprensa. A cultura chegou ao fim e a Civilização começou. Nossa raça jamais conhecerá novamente uma tão grande época.

Degeneração

O declínio do ocidente começou  com o surto da máquina; a Revolução Industrial truxe consigo modernidade e decadência. A máquina substitui a semente como símbolo da casualidade de e de Deus; gera e multiplica-se indefinidamente, até que todos os homens ajoelhem-se diante de sua majestade o Poder.

O industrial, comerciante, o financista jamais criam, unicamente acumulam e permutam, sua ocupação se resume em transferir dinheiro do bolso alheio para o seu; sua atividade se limita a amontoar coisas, fazer grandes vendas, grandes fortunas, grandes prédios; nunca em produzir qualidades pela insuflação da lama na matéria. O homem que mais amontoa torna-se o senhor; o manufatureiro escraviza o operário, o comerciante escraviza o manufatureiro, o financista escraviza o comerciante, por toda a parte, quando a cultura morre, o dinheiro ergue-se como Deus Único, não admitindo outros deuses ao seu lado. A ditadura do dinheiro é o invariável anuncio da decadência.

A repartição do panis et circenses sob forma de disputa sobre salários e partidas de futebol…as massas repelem a cultura. São o absoluto do “sem-forma” a perseguir com seu pódio todas as formas de forma, qualquer coisa que cai de lado assim que nasce, a massa é o fim.

Casa cultura tem sua própria civilização. O principal efeito deste intelectualismo sem fundo racial e sem compreensão história é a esterilidades. O ignorante continua a proliferar, o educado a esterilizar-se.

Arte

De para com esse enfraquecimento do sangue opera-se uma gradual extinção da força criadora na literatura e nas artes. O jornalismo, prostituição intelectual na escrita, substitui a literatura. O drama já não é poesia no velho sentido dos tempos, mas forma de agitação, debate e demonstração.

Política

A democracia não é governo do povo e muito menos o governo dos melhores, mas o governo do dinheiro, dos marchantes, padeiros e banqueiros, democracia é a forma típica da classe média no poder. Sob essa liderança se desenvolve um materialismo etério – uma adoração do dinheiro e do luxo, um julgamento de todas as coisas com base no ouro, o qual destrói tudo o que remanesce numa cultura dentro duma civilização.

Como isto? Como acontece que o governo do povo se torne em soberania do ouro? Por meio da imprensa. As escolas ensinam o povo a ler –  a imprensa faz o resto.

Que historiador jamais admitiu que todas a culturas são de igual duração! Atenas e China, Egito e Espanha, Índia e Babilônia? – que as flutuações do clima e do comércio de nada valem para alterar a simetria métrica numérica, a pitagórica regularidade da História?

A Filosofia de Keyserling

Em 1911, com trinta anos, ansioso por “mergulhar no fundo onde os Ser realmente mora” encaminhou-se para a Índia.

Não desejava fatos, mas sentimentos; não novos conhecimentos, mas intuições, queria imitar Ramakrishna, que testara experimentalmente várias religiões fazendo prosélito de cada uma.

Viajou vagarosamente, com aristocrático desprezo pelo tempo e escreveu com vagar suas experiências , produzindo uma obra-prima de ideia e forma “ O Diário de Viagens dum Filósofo”,  o rapaz de 32 anos não hesitara chamar-se filósofo.

Depois que Nietzsche revelou sua megalomania no Ecce Homo ninguém mais que Keyserling se louvou tanto de si próprio.

Um homem pode-se tornar-se filósofo pela contemplação da totalidade do tempo ou pela contemplação da totalidade do espaço conhecido; um livro de história universal ou de astronomia inteligentemente  escrito e inteligentemente compreendido pode dar a uma boa cabeça a perspectiva da verdade e o domínio da sabedoria. A intuição do total faz dum homem um perfeito filósofo.

Reconhece que muito mais profunda que o conhecimento ou a ciência é a contemplação interior que se afasta das sensações e fatos para procurar na concentração mística, longe do intelecto e da razão, longe do número, da medida, do mecanismo e da forma, a indizível compreensão da essência  ultima e da significação ultima do mundo.   Essa nação filosófica por excelência possui mais palavras sânscritas de uso no pensamento filosófico e religioso do que encontramos no grego, latim e alemão combinados. “Os hindus não inventaram novos sistemas de filosofia porque, como metafísicos, eram muito profundos e sabiam que a compreensão lógica não alcança as profundidades. Nunca foram racionalistas… A absoluta superioridade da Índia sobre o ocidente depende da admissão de que a cultura, em seu estado real, não se alarga com o alargamento da superfície (isto é, do conhecimento), mas pela mudança de plano com olho na profundidade depende do grau de concentração…A sabedoria hindu é a mais profunda que existe”.

Essa profundidade é devida ao ioga. Porque o ioga disciplina o desejo, reduz ao mínimo as necessidades do corpo até que a carne cesse de dominar a alma; nesse estado então o pensamento liberta-se das cadeias, a quietude do corpo permite-lhe concentração – e lentamente o espírito torna-se consciente das coisas ultimas –  fato  impossível quando o pensamento se vê perturbado pelo caos do desejo. Os métodos mais grotescos podem contribuir para essa emancipação; a mísica hindu consegue-a mantendo todas notas num tom básico; também o consegue a repetição da palavra sagrada Om – ou olhar o sol, porque, como diz Hobbes, sentir sempre a mesma coisa equivale a sentir nada. De cem maneiras podemos escapar à sensação , anestesiar a fútil sequencia do pensamento racional, deixando a lama dona de si num plano onde só sinta Deus – só sinta o indizível Ser.

China

È evidente que Keyserling escapou da Índia a tempo, por pouco mais que se demorasse ter-se-ia tornado um iogue seminu, acocorado à margem do Ganges, coberto de cinzar e olhos enfitados no sol.

Na China a mesma sensibilidade, a mesma ânsia de penetrar os segredos, de alcançar o fundo das filosofias exóticas.

Que diferença entre os chineses e os hindus! Que saúde e vigor há na China, que ancianíssimo senso prático, que bom senso, que libertação de qualquer metafísica! Subitamente descobre o segredo de tudo: em vez de ciência, arte; em vez de conhecimento, vida; em vez de construção de sistemas de pensamento, o alegre cultivo dos campos. “ O idealismo chinês aparece pelo modo como conduzem=m as tarefas do dia, o modo de viver dos chineses é expressão de profundidade.” Sua civilização é a sua filosofia.

A China também tem de passar pelo sarampo e pela tosse comprida da democracia; essa China que durante milênios foi governada por uma aristocracia baseada na cultura e aberta a todos, tem de “progredir” no rumo do estado político americano, que é o governo dos piores e a abstenção dos melhores. “Os chineses não ficarão mais livres graças à revolução; a América não é mais livre que os chineses. A China que foi livre será escravizada ; o nível do povo descerá, e o canalha tomará o lugar da intelligentzia, a não ser que a China, mais feliz que a Europa e a América, fuja ao perigo no ultimo momento”.  Talvez, à semelhança dos japoneses, a China substitua a agricultura pela indústria de modo a criar riqueza e produzir canhões que a libertem de um ocidente que só pensa em dólares e granadas. Mas o preço de tal liberdade será um século, talvez um milênio de escravização a propósitos materiais, a produção, lucros, ao progresso, fábricas, monopólios, intermediarismo e minas.

Prefiro o orientalismo ao ocidentalismo:  prezo mais o aperfeiçoamento da vida do que a vitória na vida. Krishna já o dissera: vale mais ser um mascate perfeito do que um ministro incompetente.  Perfeição é mais que progresso. Compreender, mais que conquistar. Conhecer, mais que possuir.

Indústria americana

Como tudo mais o industrialismo tem dois gumes e dois cabos; significa pela primeira vez na história do planeta um organismo dominou o ambiente e tornou-se quase um deus no manejo das forças naturais.  Significa também grosseria comercial em cada lutador empenhado na incessante luta econômica; um sacrifício de qualidade pela quantidade, da arte pela ciência, do atium cum dignitate pela competição destruidora.  No fim o homem acaba possuído pelo padrão de vida; hipoteca o futuro para brilhar no presente e põe sobre si uma carga de dívidas e trabalho que não lhe deixa tempo para as letras e as artes. Mais cedo ou mais tarde a luta econômica envenenará tudo. A amizade torna-se passageira conveniência comercial, o governo, um agente promotor e cobrador de contas.

O resultado é uma prosperidade sem gosto em que cada um se vê duas vezes mais rico que antes, mas também duas vezes mais atropelado. Para manter-se no nível o americano introduziu a escravidão, já não de outrem mas de si próprio, isto é, fez do barulho o tudo na vida.  “ No total a vida americana vai se tronando cada vez mais organizada, como se a nação fosse uma fábrica única”. O americano não descansa, embora se entregue aos prazeres desportivos “ tem medo da folga como poucos europeus tem medo do inferno”.  Só em condições excepcionais admite algo de maior importância que o progresso material; e nisto está o segredo de seu barbarismo. O ideal animalesco de conforto material o satisfaz; o ponto de vista do vendedor invade todos os campos, e só aparecem genialidades nos campos da indústria e da finança.

É conhecido o efeito deste sistema sobre o caráter. Por uma estranha inversão, o individualismo econômico rebenta em socialismo psicológico. A caça à riqueza conduz á produção em massa, a estandarlização dos produtos, gostos, ideias, almas; vender o mesmo artigo ao maior número de pessoas exige que grande número de pessoas tenham a mesma mentalidade. Fazer o povo pensar e agir da mesma é a função da propaganda comercial – gotas d’água que caem incessantemente sobre o cérebro humano até que a individualidade se adormente e só fique o estereotipado. “Unicamente na América a propaganda pôde tornar-se uma indústria autônoma; sem a produção em massa, tal coisa seria impossível. Por meio dela forma-se em todos os campos uma opinião pública artificial, que vai se acumulando  geometricamente graças a imitação, até tornar-se irresistível”. O mais incrível ideal que o homem jamais teve, o desejo de ser igual aos outros –amolda o vestuário, a conduta, o pensamento e até as caras do americano. Por fim, cada homem se torna duplicata do outro e o grande valor da realidade espiritual, que é a personalidade característica, desaparece.

“Estamos indubitavelmente vivendo numa época em que a importância do Estado diminui.”

Sacrificamos a energia mental à física, temos em nossas cabeças mais ideias e fatos do que sabedoria para compreende-los e usa-los; “intelectualismo sem equivalente desenvoltura da lama opera em favor da barbarização”.

Tudo que hoje recebe o nome de educação falha no ponto capital; produz conhecimentos mas não inspira compreensão pessoal; desenvolve a eficiência mas não cria a elevação. E deste ponto de vista não é progressiva – não difere da escola medieval em que a mocidade simplesmente aprendia a explicar o que já era crido. Que isto é assim, parece-me provado pela crescente inferioridade de nível das massas tidas como educadas em todos os paúises do mundo; mais elas sabe, menos compreendem; mais se apuram como especialistas, menos superiores e completas aparecem como personalidades.

Nada mais calmante para um homem de negócios que durante a semana inteira perseguiu o dinheiro, do que ouvir nos sermões dos domingos que as coisa materiais não existem. Isso vale por absolvição.

A conclusão da análise de Keyserling é pessimista. Não há verdadeira cultura na América. O abismo entre a exterioridade do progresso e a perfeição interior é ainda mais profundo que na Europa…O pequeníssimo interesse que a liberdade de pensamento provoca demostra como estamos distantes do cultivo do espírito. Estamos s realizar o ideal romano, não o grego, uma nova Idade Média começará. Amudança que está se operando pelo mundo inteiro é tão radical como há dois mil anos atrás. A era do progresso mental chega ao fim, e a era do chofer, do mecânico e do empreiteiro começa.

Idades Médias significam períodos de gestação, estes nossos anos de materialismo e acúmulo de riqueza, de mudança revolucionária em todos métodos de produção e distribuição, representam a infância duma nova ordem, duma ordem cuja mira pe a abolição da pobreza e o estabelecimento de bases mais humanas à cultura. O de que necessitamos para elevar-nos da adolescência à maturidade é, primeiramente, uma grande coragem critica que nos liberte. O mundo inteiro critica e imita o atual.

Um dia também teremos cultura – a cultura que é suportada nos ombros dos escravos.  Enquanto isso é curioso observar desprezadores do dinheiro que se vendem por um certo preço e denunciam o dinheiro em conferências pagas ao preço de dez centavos a palavra.

A democracia está moribunda, porque cometeu o erro de admitir que a multidão pudesse compreender e escolher.

A Espanha, com sua nobreza e seus desertos, pertence mais à África do que à Europa. Não teve Renascimento nem Reforma; nada a separa da Idade Média, de Cervantes ou de Cid, suas raízes permanecem inteiras.

Rússia

“Estou certo do grande futuro da Rússia. No seio desse povo maravilhosamente dotado, rico de alma e vitalidade, uma das mais importantes culturas humanas, se desenvolverá. Mas esse -radiante futuro não é para breve; prevejo-o para depois de séculos. Até lá o caos será inevitável.”

Aoque um bolchevista poderia responder: “Uma ordem social que não nos agrada é sempre o caos”.

Toda a Europa

Todas a nações europeias, conquanto mantendo, e mesmo acentuando as sua diferenças políticas, culturais e econômicas, devem ligar-se entre si por um acordo de ordem econômica e política se querem preservar-se da América e da Ásia.   O prestígio do homem branco foi destruído pela Guerra; a Ásia já não teme a Europa, aproveitou-se da Guerra para inaugurar aquela industrialização do Oriente que eventualmente o subtrairá à influência comercial do Ocidente. A era da dominação do mundo pelos brancos está no fim.

A Europa tem que ficar ao lado do espírito contra a matéria, do lado da liberdade contra a servidão, do lado de Goethe contra o sargento-instrutor. No fluídico tumulto de nossos tempos, a preservação da cultura herdada, ou da própria cultura em si, está periclitando como jamais o esteve desde a queda de Roma.

A cultura do futuro, em vez de ser eco de um passado ciosamente defendido pela aristocracia moribunda, ergue-se-á  fresca, com todos os defeitos das coisas moças., saídas do mundo sem precedentes que nossas invenções e nossa ilusão criaram. A história não descansara enquanto cada campo de vida e de pensamento a revolução Industrial não de completar.

Base lógica

Keyserling começa com seu usual floreio, anunciando que o cavalinho que ele monta é o mais bonito animal do mundo. “ A mais importante tarefa de hoje não cabe à religião, sim à filosofia”. Não à ciência, porque “ a ciência não passa da gramática do mundo” e “ conquanto tenhamos de dominá-la, afim de que possamos falar, nossa fala científica depende de nossa sabedoria”. Nem cabe tampouco à filosofia epistemológica, esse esporte dos cérebros escolásticos do qual o mundo só tem a esperar teia de aranha. A filosofia que constrói  não se resume entre disputas entre escolas, mas sim na livre sapiência do sábio.

A distinção entre o sábio e erudito é estranha ao Ocidente” a ideia do perfeito sábio como “um que sabe”, não como” um que procura saber” nunca entrou em nosso hemisfério”. Nossos filósofos não passam de inefetivas almas acadêmicas, que confundem intelecto com inteligência, lógica com experiência, raciocínio com vida da razão; encontram carne e vinho nos livros e escandalizam-se ao tomarem parte dos conflitos do tempo; o concreto desaparece se suas vidas e seu estilo. Pior ainda que os filósofos, são os homens de letras que derramam seus pensamentos em todas as fendas da ordem moral e social, a “canaille écrivante” como dizia Voltaire, que reduz grandes florestas à celulose para a eterna produção de páginas e mais páginas; que repele tudo quanto não pode compreender e com epigramas destrói instituições criadas pela sabedoria dos séculos.

Porque a sabedoria é inconsciente; não passa de premissas formuladas e conclusões – si, “ sente” as conclusões da vida, o argumento não procede do cérebro, sim do sangue. O intelecto é o órgão da análise, não é da síntese ou da compensação, como a populaça o intelecto pode destruir, mas não sabe construir, pode derruir o Valhalla, mas não conserta uma v ida alquebrada. Foi o intelecto que transformou Atenas numa sociedade disputante e fadada à divisão, ao caos, á derrota, que transformou a França de Luís XVI nos escombros de Robespierre. Não é a logica, nem agudeza, que faz uma grande nação, sim o caráter e a nobreza inata. Talvez que quando cessarmos de debater voltemos a viver de novo. É-nos impossível destronar o intelecto, porque estando a sua dinastia no tom da época temos de suportá-lo por muitas gerações, mas podemos enriquecê-lo, fortalecê-lo, fincando de novo suas raízes nas inconscientes profundidades da alma.

A matriz metafísica

Não devemos incomodar-nos de que o intelecto nos descreva como bonifrates de lama e dançarem irremediavelmente ao som da música da hereditariedade, do ambiente e das circunstancias. Pensamos de nós mesmos como máquinas, mas sabemos que não somos máquinas, e esta forma de conhecimento imediato não dão tento às artificiais construções da ciência. A inteligência pode ser uma operação da matéria, mas a vida nunca é um processo mecânico, essencialmente pertencemos ao mundo do espírito, cujas leis são diferentes das leis da terra. E nosso conhecimento fosse completo, seríamos em absoluto livres.

Desenvolvimento moral

Assim como a planta tem uma estrutura de crescimento, assim o homem precisa ter ordem na sua liberdade, e moralidade, como tal não passa de ordem e moralidade da alma. Unicamente os indivíduos superficiais professam o individualismo, os de mais profundidade sentem as suas ligações com  o todo, sabem que a forma é o molde do crescimento, e o caos, o desintegrador da decadência.

A válvula religiosa

O esforço para triunfar da morte constitui a essência da religião. O budista consegue-o por meio da transmigração, os cristãos e maometanos, por meio da imortalidade.  Desse modo a fé resolve instantaneamente o problema tem desafiado a filosofia: de como pode a parte ter permanência no todo eterno. Por isso a religião conforta a tantos, e a filosofia a tão poucos. A fé fortalece a coragem; a dúvida desintegra a alma. A religiosidade tem sido em todas as épocas o mais tremendo poder da vida em ação. O homem suporta tudo, exceto a ideia de que sua vida não tem significação, porque significação e vida são coisas que se equivalem. Daí o estado de alma suicida de uma sociedade mecanizada; civilização que não pode crer em si própria está no fim.

Keyserling anuncia corajosamente a sua aceitação da reencarnação; e depois de arguir, ao modo de Spinoza, que cada alma cujos pensamentos e propósitos transcende a  mortalidade: “ A imortalidade, portanto, existe. Unicamente os seres superficiais  permanecem na irreligião, quando a lama se aprofunda, surge a consciência de Deus.”

Keyserling conclui que o cristianismo está no fim. O catolicismo demorará a morrer porque não se baseia no intelecto, nem na evidência; o protestantismo desaparecerá primeiro, parte por está completamente vitorioso como ideia, isto é, como liberdade de pensamento e fé, e parte porque cometeu o erro de apelar para a razão.

Nossos tempos assemelham-se aos primeiros séculos do cristianismo; a decadência de religião velha deixa o vácuo psíquico e mil novas fés aparecem, cada vez mais extravagante. Uma delas vencerá e dará forma à irredutível esperança do homem.

Comentário

No fundo desta deterioração jaz a logica mística de Keyserling. Qualquer filosofia que apoie o inconsciente contra o consciente, o irracional, contra o racional, está fadada à obscuridade e à vacilação. Isso poderá representar valor na religião e na arte, mas na filosofia é suicídio, a filosofia é a vida da razão e a razão é a sua vida.  Ótimo que sejamos advertidos contra o intelectualismo –  a substituição da vida pelos livros, da experiência pela teoria, da afeição pelo cálculo, mas colocar o instinto e a intuição acima desse cuidadoso estudo da evidencia, desse calmo teste da ideias por meio da observação da prova ( que é o que faz a inteligência), corresponde a entregar a sabedoria à infância.  Foi essa sua impaciência diante da lentidão da razão que o levou a aceitar a astrologia como “coisa provada” , e a destruir-se pela intensidade de sua de sua apreciação sobre si mesmo.

Com 50 anos ,justamente a idade em que a filosofia começa, talvez pare um pouco de ensinar novamente principie a aprender.

Bertrand Russel: Casamento e moral

Será então possível a monogamia?

Eis a pergunta que Bertrand Russel se propõe a responder.  Aborda os mais delicados aspectos do amor e do casamento, embora escreva com clareza, usa da maior cortesia: explode bombas com toda a graça, e quem p lê não suspeita das ideias tão gentilmente expostas. O mundo inteiro aceitaria suas teorias se tivesse sua Inteligência. Não há dúvida que a reforma do mundo por Russel começaria com a suave e cortês eutanásia da religião. A ideia pe que meninos e meninas sejam criados em comum, frequentemente desnudos, o que os daria melhor saúde e moral, além de melhor concepção da beleza. Desconfia de todas as proibições e e se declara a favor de nenhuma lei sobre o que chamamos literatura ou arte obscena. “ Publicações francamente pornográficas nenhum mal farão se a educação sexual for racional.”

Nenhum casamento deve ser legalmente válido antes da primeira gravidez, o casamento de experiência deve ser estimulados, ainda entre os colegiais, e depois de advinda a gravidez, que traz consigo  a legalização da união, os laços do casamento não devem ser tão rígidos como o temos,: tanto a mulher como o marido podem permitir um ao outro uma certa dose de adultério, caso venha sublimado pelo amor:

Não resta duvida que vedar a uma criatura o amor pelo fato de ser casada é diminuir a receptividade e a simpatia e as oportunidades de valiosos contatos humanos . O adultério em si ( se impedido de produzir filhos), não deve, a meu ver, constituir razão para o divórcio. Quando os cônjuges não se lançam em melodramáticas orgias de ciúmes, cada parte deve poder realizar essas temporárias escapadas, contanto que a afeição que os une continue intacta.”

O ponto de vista dos conservadores repousa no espaço de tempo que a civilização colocou entre a idade da potencia sexual e a idade do casamento. Na puberdade a natureza emprega toda a sua energia em impelir-nos ao intercurso sexual e portanto à reprodução.; mas durante a puberdade na opinião do banqueiro e do psicólogo somos economoca e mentalmente crianças. Em consequência, o problema dos moços, do ponto de vista dos maduros e velhos cuja morte  Bertrand Russel pacientemente espera, é, no mais possível, desviar do sexo a atenção dos adolescentes, de modo a refrear o ímpeto sexual procriador. Dai a velha politica do silencio sobre coisas do sexo, e a cegonha, e a censura à literatura, e o amordaçamento da ciência, e o afastamento das crianças não só da pornografia como também de qualquer conhecimento sadio sobrea assuntos sexuais. O resultado era, para o psicanalista, a neurose, e para o conservador a deliciosa floração da inocência, o prolongamento do período de educação, e o impedir que o indivíduo se consumisse muito cedo no altar da raça.

Aventuras na literatura

Em louvor de Flaubert

“Ele é um desses marceneiros” disse Dumas Filho ”que derrubam toda a floresta, para fazer  um guarda-roupa. E Flaubert  dá a receita da perfeição na prosa: “ Primeiro, seguir de perto as metáforas; depois, não entrar em detalhes alheios ao assunto; trabalhar em linha reta. Condensar o pensamento. Remendos de púrpura de nada valem. Unidade – o todo está nisto! O todo: é nisso que nossos escritores de hoje, grandes ou pequenos, falham…Comprimir o estilo. Criar um tecido fino como a seda e forte como a malha”; nunca repetir na mesma página um adjetivo, nem repetir na mesma frase um preposição; escrever “ a fronteira do reino da França” é um pecado mortal. E, por fim, a frase deve permitir a leitura em voz alta. “ A frase mal escrita não suporta esse teste…A frase só está correta se harmoniza com todas as necessidades da respiração”. Flaubert fez como pregou; muitas vezes a meninada se reunia sob sua janela para ouvi-lo “cantar” frases.

O que as almas românticas chamam de “ alegria da criação” era para ele uma febre consumidora. Anatole: “ Ninguém escreve obras-primas movido pelo prazer pessoal, sim pela pressão de uma inexorável fatalidade” O gênio está no intelecto objetivo, disse Schopanhauer.

Cada gênio tem em si algo romântico, porque tem em si algo poeta.  O elemento dominante de Flaubert foi o realismo colérico e sentimento ultrajado; sua preocupação o empolgava; denunciava o romantismo porque o sentia no sangue e queria eliminá-lo – “ser duro”.

Um livro é um amigo que faz o que nenhum amigo faz – cala-se quando queremos pensar.

Temos de escrever para nós mesmos… É  o único meio de criar alguma coisa bela.

O Paradoxo – Anatole France

“Se eu fosse a natureza não faria o homem e a mulheres à semelhança dos grandes macacos, mas à semelhança dos insetos que depois de um período de lagarta viram borboletas e na última parte da vida só pensam em amor e beleza. Eu poria a mocidade no fim da existência humana…Arranjaria que o homem e a mulher, desdobrando rutilantes asas, vivessem por um tempo no orvalho e no desejo, e morrerem num beijo de êxtase.”

Talvez tenha sido que a natureza fez no caso de Anatole France. Muitos de nós escapamos da vida por intermédio dos livros e escondemos nossa timidez numa torre de marfim; Anatole France saiu dos livros para a vida – saiu da paz da erudição  para a vida perigosa e cheia de vicissitudes.  Recusou-se a morrer antes de tornar-se perfeitamente jovem.

“Sem bom gosto impressionamos mal até quem não tem gosto algum.”

“Não é pela reflexão e pelo intelecto, mas pelo sentimento que alcançamos as mais altas e puras verdades…O pensamento é coisa apavorante. É o ácido que dissolve o universo; e se todos os homens fossem postos a pensar , imediatamente o mundo cessaria de existir. Mas de semelhante calamidade  estamos livres…As verdades descobertas pelo intelecto são estéreis…É loucura querer mover massas humanas pela razão. Os preconceitos como as leis e os governos só podem ser destruídos por forças lentas,  cegas, surdas irresistíveis… Considerada em seu todo, a raça humana é dominada pelo instintivo ódio ao intelecto. Esse ódio nasce da vaga e profundamente arraigada convicção de que tal hostilidade coincide com os interesses da raça.  As verdades científicas ao penetrarem nas mentes médias afundam, como num pântano, e morrem afogadas. Não causam nenhum movimento e são impotentes para destruir o erro e o preconceito. As verdades de laboratório de maior peso para nós, não tem nenhuma autoridade para o público… A ciência nunca  fez mal à religião; o absurdo de uma pratica religiosa pode ser claramente demonstrado sem que o número de fieis diminua. As verdades cientificas não são aceitas pela massa. As nações vivem mergulhadas em mitologias; retiram das lendas todas as ideias necessárias à sua existência. E não precisam de muito, umas tantas fábulas bem simples bastam para guiar milhões de criaturas. Em suma, a verdade não cala o homem… A verdade é a tantos respeitos mais frágil que a falsidade, que anda sempre condenada à extinção… A ciência de nossa época dará surto à novas superstições… Religiões estão a nascer bem diante de nossos olhos… e proclamam que têm sua fés baseadas na ciências… Entretanto, tudo é possível, até o triunfo da verdade. “

“As maiorias, em geral, revelam sua aptidão para escravização, entre os fracos a fraqueza se multiplica em proporção de número… E como podemos mudar o mundo? Com a força da palavra… Nada mais poderoso do que a palavra… Arma invencível, sem a qual o mundo pertenceria aos brutos armados. Que é que os põe em choque? Apenas o pensamento, o nu e inerme pensamento…É o pensamento que governa o mundo”.

“Devo notar que nosso vestuário tem muita influência sob o nosso moral…Basta dar a um covarde um capacete peludo para que ele vá quebrar a cabeça no serviço do rei.”

“Se nos fosse possível ver o que estar por vir, nada mais nos restaria senão morrer.”

O estilo de Anatole deleita pela clareza e simplicidade. Os escritores franceses, diz ele, revelam três grandes qualidades:  clareza, clareza e clareza, pois bem, Anatole possuía as três. “Fujamos de escrever muito bem, é a pior forma de escrever”.

John Cowper Powys

Sua lição final é que nada é certo, cada verdade não passa de uma preferência, a filosofia de um homem só pode ser dele e de ninguém mais, o proselitismo é imodéstia inútil, “Uma órbita não é mais nobre ou mais sábia, mas simplesmente a órbita de alguém”. “ A pessoa culta não se interessa em saber se sua atitude é intelectual ou não, de acordo com as modas do dia. Até pode ser culpada de certa maliciosa satisfação de ver-se tão fora da moda a ponto de parecer imbecilmente ingênua, todos percebemos que um homem simplesmente educado traz seus pontos de vista filosóficos como se fossem outras tantas moedinhas no fundo do bolso. São coisas destacadas de sua vida, Suas opiniões e sua vida são dominadas pela mesma inevitável fatalidade orgânica. Elas são o que ele é.

Powys diz-nos que devemos ler os grandes livros “muito solitariamente, cuidadosamente demorados em cada página, saturando-nos com sua atmosfera até tê-lo incorporado ao imo.”

Com sue livro é assim. Procurei lê-lo

de modo prescrito – e não há palavras que exprimam a minha gratidão para com o autor.