Uma visão semântica
Merito: Do Latim MERITUM, “bondade, serviço, benefício, valor”, de MERERE, “merecer, adquirir, obter”.
Cracia: Do grego κρατία “poder”.
Michael Young cunhou o termo meritocracia pejorativamente ,no livro “Rise of the Meritocracy” (“Levantar da Meritocracia”, em português), publicado em 1958. Estava relacionado com a narração de uma sociedade que seria segregada tendo como base dois aspectos: a inteligência (QI elevado) e um grande nível de esforço. Ainda não tive a oportunidade de ler esse livro e entender o que levou o sociólogo à construção dessa palavra, porém constato que sua aplicação no senso comum é infeliz, pois deturpa o significado de “mérito”. O sentido de mérito é muito bonito para este emprego. Ter mérito é conquistar algo por seus próprios esforços, inteligência, confiança, talento, merecimento, poder. Engraçado que a palavra “empoderamento” costuma ser simpática aos críticos de meritocracia e vem de “poder” também.
Essa análise conceitual é uma proposta para que distingamos os sentimentos que se confundem por uma confusão hermenêutica. Ou seja, primeiro temos de falar a mesma língua, tratar do mesmo assunto para em seguida podermos debater o conceito.
Mérito :
Machado de Assis era negro e pobre numa sociedade com mentalidade escravocrata e mesmo assim, com seus próprios méritos, conquistou, em vida, sucesso e admiração. Isso é simples, todos entendemos e a maioria de nós tem admiração por quem faz por merecer.
Destino:
Todos sabemos que nascer com quociente de inteligência elevado não é mérito, é uma circunstância que os motivos de ocorrerem ainda são estudados. Também somos cientes de que crescer num ambiente estruturado, com recursos e influências positivas não é mérito do que nasce, e sim uma circunstância. Para usar do senso comum: é sorte ou destino. A melhor definição de destino que já vi é também a mais simples:
“Destino é o apelido para todas as coisas sobre as quais não temos nenhuma influência; é o que acontece conosco, mas não foi causado por nós. Isso é destino”.
Zygmunt Bauman
Desigualdade social:
É natural que o que transtorna é que haja desigualdade social. Sempre ouço a analogia de uma corrida onde quem tem grana e bons amigos começa muito a frente, nessa imagem vejo que as posições não são atingidas por mérito e sim por circunstâncias também. Esse tema é muito mais profundo e envolve mais variáveis. Devemos tratar da desigualdade social seriamente, com propósito de gerar um ambiente onde competir seja possível, viável e não uma luta inglória, pois assim tiramos os méritos de todos:
Dos quem estão nas pole-position por denotar que só realizam conquistas por causa da sua estrutura e mais nada, tira-se todo o brilho de seu desempenho.
E dos que estão nas posições mais atrás por partir da premissa que não há como lutar, se conseguirem algo é por regime de cotas, por caridade ou desonestidade.
Injustiça:
Ver quem rouba, engana, saqueia e deturpa valores prosperar é um veneno para o indivíduo que guarda, preserva e segue os valores e códigos sociais. Há quem desafie ou enfrente a lei, pois nem sempre ela está correta (a escravidão, por exemplo, era legalizada há 130 anos). Aqui não falo dos corajosos que com elevados padrões morais desafiam o status quo, falo dos ratos, dos ladrões, de quem se favorece de uma posição para enriquecer com o que não é seu, que não produz nada de útil, só engana e trapaceia gerando repugnância primeiro contra o fraudador, depois atração pela fraude por ser um atalho que muitos tomam impunimente .
Misturar todos esses fatores diferentes e formar a palavra “meritocracia” é anunciar: FIGHT!
Essa briga onde aborda-se assuntos diferentes só fortalece a desigualdade das condições , confunde os significados e significantes e aumenta o desprezo de todos contra todos . O bom combate, nosso combate, é por falarmos a mesma língua, entender o que está sendo expressado e tratar das soluções com ações efetivas e menos discursos de aplauso fácil.
Podemos ter essa discussão sem maltratar uma palavra que denota honra e trabalho.
Todas as vezes que se entra na discussão de meritocracia os críticos atacam o que há de desigual na sociedade e não as conquistas de alguém que luta para alcançar seus objetivos com bondade, valores, ética e merece ser o que é e ter o que tem.
Eu sei que a significação de um signo advém de sua aplicação pelos falantes do idioma e que podem haver respostas do tipo “ Meritocracia já é um signo com vida própria, ou seja, já se desprendeu de sua origem semântica.” Ok, essa é só uma visão para distinguir mérito de sorte e podermos ter um ponto de partida sem entrar em loopings mentais desgastantes que não constroem uma discussão saudável. Se entrarmos nessa questão semântica, que palavra realmente expressaria com mais honestidade e menos polêmica o que chama-se, no senso comum, de meritocracia?
Acredito que o uso do termo mérito é mal empregado no neologismo “meritocracia”. Abre precedente para polêmicas que insultam os que conquistam com honra na mesma proporção de quem se sente em condições desfavoráveis com a desigualdade social .
É preocupante se, mesmo com a contextualização, você pensa que o significado de mérito merece ser distorcido com o conceito de meritocracia. Será engodo para uma revolta contra quem realmente luta para conquistar o que é?