Alberto Caeiro

Rústica

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Ser a moça mais linda do povoado.

Pisar, sempre contente, o mesmo trilho,

Ver descer sobre o ninho aconchegado
A bênção do Senhor em cada filho.

Um vestido de chita bem lavado,
Cheirando a alfazema e a tomilho…
– Com o luar matar a sede ao gado,
Dar às pombas o sol num grão de milho…

Ser pura como a água da cisterna,
Ter confiança numa vida eterna
Quando descer à “terra da verdade”…

Deus, dai-me esta calma, esta pobreza!
Dou por elas meu trono de Princesa,
E todos os meus Reinos de Ansiedade.

Florbela Espanca, in “Charneca em Flor”

À Existência sem Busca de Significação

“O mistério das coisas, onde está ele?

Onde está ele que não aparece

Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?

Que sabe o rio e que sabe a árvore

E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso?

Sempre que olho para as coisas e penso no que os homens pensam delas,

Rio como um regato que soa fresco numa pedra.

Porque o único sentido oculto das coisas

É elas não terem sentido oculto nenhum,

É mais estranho do que todas as estranhezas

E do que os sonhos de todos os poetas

E os pensamentos de todos os filósofos,

Que as coisas sejam realmente o que parecem ser

E não haja nada que compreender.

Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: —

As coisas não têm significação: têm existência.

As coisas são o único sentido oculto das coisas.”

Alberto Caeiro  In Poemas de “O Guardador de Rebanhos” – Fernando Pessoa.

“Não posso me preocupar com o sentido ou a finalidade de minha existência, nem da dos outros, porque, do ponto de vista estritamente objetivo, é absurdo. E no entanto, como homem, alguns ideais dirigem minhas ações e orientam meus juízos. Porque jamais considerei o prazer e a felicidade como um fim em si e deixo este tipo de satisfação aos indivíduos reduzidos a instintos de grupo.

Em compensação, foram ideais que suscitaram meus esforços e me permitiram viver.

Chamam-se o bem, a beleza, a verdade. Se não me identifico com outras sensibilidades semelhantes à minha e se não me obstino incansavelmente em perseguir este ideal eternamente inacessível na arte e na ciência, a vida perde todo o sentido para mim. Ora, a humanidade se apaixona por finalidades irrisórias que têm por nome a riqueza, a glória, o luxo. Desde moço já as desprezava.”

Albert Einstein in Como Vejo o Mundo  Trecho do 1° capítulo

Óbvio Inédito

O óbvio pode levar a argumentos circulares, repetições do mais do mesmo doentias. Frequentemente conversas começam banais, evoluem gradativamente até terminarem onde poderiam ter começado.

No óbvio melhor aproveitado encontramos onde o simples mora. O átomo. As repostas da ciência, a inspiração das artes, a exatidão da matemática. O que há de genial tem seu centro óbvio.

“O essencial é saber ver,
Saber ver sem estar a pensar,
Saber ver quando se vê,
E nem pensar quando se vê
Nem ver quando se pensa.
Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!),
Isso exige um estudo profundo,
Uma aprendizagem de desaprender“

Trecho do poema O que Nós Vemos das Cousas São as Cousas

Alberto Caeiro, in “O Guardador de Rebanhos – Poema XXIV”
Heterónimo de Fernando Pessoa

Em vez de subestimar o óbvio submeta-se ao “óbvio inédito”.

Verdades óbvias vistas além do olhar, inacessíveis a quem olha e não vê .

A ação do  “óbvio inédito” é o “inédito viável” de Paulo Freire:

“ Em síntese, as “situações-limites” implicam na existência daqueles a quem direta ou indiretamente “servem” e daqueles a quem negam ou “freiam”.

No momento em que estas a percebem não mais como uma “fronteira entre o ser e o nada, mas como uma fronteira entre o ser e o mais ser”, se fazem cada vez mais críticos na sua ação, ligada àquela percepção. Percepção em que está implícito o inédito viável” como algo definido, a cuja concretização se dirigirá sua ação.”

Paulo Freire, in “Pedagogia do Oprimido”